1 de set. de 2009

UM ABSURDO MODO DE SER


“Quando certa manhã Gregor Samsa despertou, depois de uma noite mal dormida, achou-se em sua cama transformado em um monstruoso inseto” (p.17). São com estas palavras que no ano de 1912 Franz Kafka iniciou um de seus maiores sucessos intitulado A Metamorfose, um dos principais livros do século XX.
O caixeiro-viajante Gregor Samsa acorda um dia e vê-se transformado, alterado, metamorfoseado em uma coisa, um objeto.
“_ Que me aconteceu?” (p.17). Esta é a pergunta que ele se fez. Um homem que vivia com os pais, e com uma irmã, cumpridor de seus compromissos com a sociedade, já que era um ótimo funcionário, alheio a si mesmo desperta e se pergunta como se há muito tivesse esquecido quem era.
Quantos dos atuais homens modernos, escravos do tempo, do emprego, dos deveres sociais e familiares não acordam um dia sentido que é mais “coisa”, mais “operário” do que um indivíduo, com todo um mundo particular?
É com esse gosto amargo que se desenrola a história da luta (vencida) do homem contra as injustiças de um mundo calculista e arbitrário.
Em meio à constatação de sua mudança ele, Gregor Samsa, percebe o quanto sua vida não é real, mas aquilo que lhe ocorrera, sim, começava a revelar verdades. “A necessidade de madrugar, pensou, entorpece por completo a gente. O homem precisa dormir o tempo justo” (p.18). “Se não fosse pelos meus pais, há muito tempo eu me teria despedido” (p.18). Esses pensamentos que lhe vinham à mente era o que de fato o preenchia, mas estava escondido sob o peso da responsabilidade.
Seu compromisso com a família, com o trabalho, com o patrão, homem “sem dignidade nem consideração” fazia dele um escravo-livre do aparelho burocrático.
O assombro da família, o choque e a repulsa do agente da firma revelam que estavam mais preocupados com o que todos iriam perder do que com a tragédia que aconteceu com Samsa.
Assim, transformado, como continuar trabalhando, sustentando sua família, trazendo lucros para o patrão?
O que mais impressiona é que no decorrer do texto o que mais incomoda a todos não é o fato de conviver com um inseto monstruoso, mas a preocupação de todos é como viver sem a ajuda de Samba. A lástima não é ver um próximo nesse estranho modo de ser, mas está em perder aquele que supre que gera riqueza, que é útil para a sociedade.
A falta de cuidados, os maus tratos e o asco que Gregor Samsa recebia de sua família e de todos os que entravam em contato com ele o levou a morrer lentamente. Ele “pensava com emoção e carinho nos seus. Achava-se, se era possível, ainda mais firmemente convencido do que sua irmã de que tinha de desaparecer” (p.59).
E é assim que acabou a vida de Gregor Samsa. E é assim que terminam muitos, pois muitos são os que têm sido transformados diariamente em “coisas” do que num tipo evoluído de ser humano.
A pesar do desconforto perturbador que este texto nos causa, sua leitura é sempre necessária e atual, pois sempre nos leva a refletir sobre o desespero do homem ante o absurdo da existência, da burocracia e da organização da sociedade.
KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret. 1999, 65p.

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